Indy Vandark

sábado, 12 de janeiro de 2013

Epítome de Estilhaça-me.


                 Epítome
                                   


Estou aprisionada há 264 dias.
Não tenho nada senão um caderno e uma caneta quebrada e os números na cabeça para me fazer companhia. Uma janela. Quatro paredes. Espaço de 1,48 m². Vinte e seis letras de um alfabeto, do qual não fiz uso em 264 dias de isolamento.
Seis mil trezentas e trinta e seis horas desde que toquei outro ser humano.
– Você vai ganhar um companheiro de cela – disseram para mim.
– Agente espera que você apodreça neste lugar. Por bom comportamento
– disseram para mim.
– Outro psicótico igual a você. Acabou o isolamento – disseram para mim.
Eles são os asseclas do Restabelecimento. A iniciativa que supostamente deveria ajudar nossa sociedade agonizante. As mesmas pessoas que me arrancaram da casa de meus pais e me trancafiaram em um porão por causa de algo que me fugia ao controle. Ninguém se importa com o fato de que eu não sabia do que era capaz. De que eu não sabia o que estava fazendo.
Não faço ideia de onde estou.
Só sei que fui transportada por alguém dentro de um furgão branco que levou 6h37min para me trazer até aqui. Sei que fui algemada em meu assento. Sei que fui amarrada em minha cadeira. Sei que meus pais jamais se preocuparam em se despedir.
Sei que não chorei enquanto era levada.
O sol cai dentro do oceano e respinga marrons e vermelhos e amarelos e laranja no mundo exterior a minha janela. Um milhão de folhas de uma centena de diferentes ramos mergulham no vento, flutuando com a falsa promessa de vôo. A rajada de vento atinge suas asas secas apenas para forçá-las para baixo, esquecidas, deixadas ao pisoteio dos soldados ao chão.
Não há tantas árvores como antes, é o que dizem os cientistas. Eles dizem que nosso mundo costumava ser verde. Nossas nuvens costumavam ser brancas. Nosso Sol era sempre o tipo certo de luz. Mas tenho frágeis memórias desse mundo. Não me lembro muito de como era antes. A única existência que conheço agora é a que me foi dada. Um eco do que costumava ser.
Pressiono a palma da mão contra a pequena vidraça e sinto o frio cingi lá em um abraço familiar. Estamos ambas sozinhas, ambas existindo como a ausência de qualquer outra coisa.
Apanho minha caneta quase inútil e de pouquíssima tinta, e cujo uso aprendi a racionar um dia após o outro, e olho fixamente para ela. Mudo de ideia. Abandono o esforço necessário para escrever. Ter um companheiro de cela poderia ser bom. Conversar com um ser humano de verdade poderia facilitar as coisas. Pratico usando a voz, moldando os lábios à forma das palavras familiares que me são estranhas à boca. Pratico todos os dias.
Fico surpresa por lembrar como se fala.
Enrolo meu caderninho e o enfio na parede. Sento-me nas molas cobertas de pano sobre as quais sou forçada a dormir. Espero. Balanço-me de um lado para o outro e espero.
Espero muito tempo e caio no sono.

Meus olhos se abrem a dois lábios duas orelhas duas sobrancelhas.
Contenho meu grito na urgência de dominar o horror paralisante que e toma os membros.
– Você é um ga-ga-garoto...
– E você é uma garota. – Ele ergue uma sobrancelha. Ele se inclina, desviando-se de meu rosto. Ele força um riso, mas ele não está sorrindo. E eu quero chorar, meus olhos se desesperam, aterrados, lançando-se em direção à porta que perdi as contas de tantas vezes que tentei abrir. Eles me trancaram com um garoto. Um garoto.
Deus!
Eles estão tentando me matar.
Eles fizeram isso de propósito.
Para me torturar, para me atormentar, para eu nunca mais dormir durante a noite. Seus braços são tatuados até os cotovelos. Na sobrancelha falta-lhe uma argola, que eles devem ter confiscado. Olhos azul-escuros, cabelos castanho-escuros, linha da mandíbula definida, físico forte e magro. Deslumbrante. Perigoso. Aterrorizante. Horrível.
Ele ri e eu caio da cama e corro para o canto.
Ele avalia o pequeno travesseiro sobre a cama vaga que eles empurram para o espaço vazio esta manhã, o reduzido colchão e o cobertor surrado nem mesmo grandes o bastante para dar conta da metade superior de seu corpo. Ele olha para minha cama. Olha para sua cama.
Junta as duas com uma mão. Usa o pé para empurrar as duas armações de metal para o seu lado do quarto. Estende-se sobre os dois colchões, tomando meu travesseiro para amortecer se pescoço. Comecei a tremer.
Mordo o lábio e tento ocultar-me no canto escuro.
Ele roubou minha cama, meu cobertor, meu travesseiro.
Não tenho nada senão o chão.
Não terei nada senão o chão.
Jamais irei me opor porque estou petrificada demais paralisada demais paranóica demais.
– Então você é... o quê? Louca? É por isso que está aqui?
Não sou louca.
Ele se apóia novamente para ver um rosto. Ele ri novamente.
– Não vou machucá-la.
Quero acreditar nele. Não quero acreditar nele.


Segunda-feira, 10 de dezembro de 2012. 11h53:58
Lauren Kate.


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